Mais de quatro anos se passaram do dia em que Gedião da Silva Freitas participou do concurso para agente de fiscalização de trânsito, na cidade de Rosário do Sul, na região da fronteira Oeste do Estado. Ele ficou na terceira posição na seleção feita para cadastro reserva, mas até hoje não foi chamado, assim como nenhum outro candidato participante do edital. “A administração anterior alegava ser cadastro reserva e não ter obrigação de nomear por este motivo. O que sabemos ser totalmente ilegal, pois todos os cargos sempre estiveram vagos há mais de 20 anos, sem nunca terem sido ocupados”, comenta Freitas. De acordo com o candidato, que é um dos oito aprovados pelo concurso, quatro dias antes de vencer o prazo de quatro anos do certame, que faria com que a seleção perdesse a validade, a contagem do período foi interrompida, devido à pandemia de coronavírus, com efeitos até 31 de dezembro deste ano. “Gastamos com cursinho, gastamos tempo por confiar na idoneidade do Município e ainda confiamos que a nova administração irá implantar o serviço de trânsitoe nomear todos os fiscais aprovados. Fiscalizar o trânsito não é gasto, é investimento.”
Na cidade de Torres a situação é semelhante, conforme um grupo de 15 candidatos aprovados em uma seleção semelhante e também relatam dificuldades. “Após a nomeação os aprovados têm até 45 dias para tomar posse. Depois dessa fase, todos têm de fazer um curso de formação de agente junto a EPTC, média de 30 dias. Os aprovados que não são do Município e, paralelo a isso, tem que fazer mudança de domicílio, transferência de escola dos filhos, avaliar o que fazer com o atual emprego do cônjuge”, enumera o grupo, lamentando a indefinição.
Porém, a prefeitura de Torres argumenta que a pandemia trouxe um impedimento para a convocação dos selecionados em certames. “Vimos informar que hoje existem 15 aprovados, os mesmos não foram convocados devido a Lei Complementar 173/2020”, diz o executivo municipal em nota. A legislação referida estabelece algumas proibições aos entes federativos para contenção de despesas, como a realização de concursos públicos.
Entretanto, a legislação abre margem para interpretações e até mesmo judicializações, segundo o advogado especialista em concursos públicos, Agnaldo Bastos. “Não ficou claro o que ela quis dizer com essa “reposição de vacância”, ou seja, não ficou específico se essa vacância tem que ter acontecido durante o momento do estado de calamidade pública, ou se as vacâncias que já estavam antes da pandemia terão pertinência para ser aplicada essa exceção, para haver essa reposição de vacância.”
De acordo com o vereador de Rosário do Sul, Rogério Ustra, a administração anterior ignorou o trânsito da cidade e também os aprovados para a função. “Agindo, inclusive, de má fé, pois como se faz um concurso para um cargo novo e não se chama ninguém? Entendemos também que os cargos foram criados por lei municipal, estando inclusive no quadro de funcionários efetivos do Município com o devido padrão e vencimentos. Portanto, nada justifica a não nomeação. Porém, estamos com uma nova administração, mais aberta ao diálogo e tem se mostrado interessada no assunto”, resume o vereador.
Na cidade que ainda não possui nenhum agente de fiscalização de trânsito nomeado, a ausência deste profissional reflete na falta de segurança, conforme o vereador. “O trabalho dos agentes de trânsito é fundamental para o bom funcionamento da cidade. Eles garantem o cumprimento da legislação através da fiscalização e da orientação aos motoristas. A presença do fiscal de trânsito já faz as pessoas repensarem sua conduta, evitando imprudências que já custaram vidas. Fiscalizar o trânsito também salva vidas e ainda trará mais segurança aos pedestres. Afinal, todos fazemos parte do trânsito de alguma maneira”, conclui Ustra e acrescenta que o poder legislativo tem buscado e cobrado a implantação da guarda de trânsito, além de auxiliar na discussão e na apresentação de demandas e emendas ao orçamento, em busca de recursos.
A prefeitura de Rosário do Sul foi procurada, mas não se manifestou sobre o assunto. Enquanto a situação não se define, Freitas lamenta as implicações da situação e avalia o resultado que seria possível com a presença dos agentes de trânsito ocupando os seus cargos. “As consequências serão um trânsito mais seguro para a cidade, uma vez que o índice de acidentes é altíssimo. Também o índice de condutores não habilitados é muito alto, estima-se que seja em torno de 40%.” Com o efetivo reduzido da Brigada Militar, o candidato ainda relaciona a convocação de agentes com a possibilidade de melhor direcionamento dos PMs para o policiamento ostensivo.
No último dia 02, uma moção foi votada e aprovada, por unanimidade, na Câmara Municipal, em apoio à nomeação dos aprovados no concurso para agentes de trânsito de Rosário do Sul. A moção idealizada pelo vereador Ustra ganhou suporte dos demais vereadores da cidade, de entidades como Brigada Militar, Ordem dos Advogados do Brasil(OAB), Corpo de Bombeiros, Polícia Civil, outras entidades da sociedade civil, além do SINDATRAN-RS e a Federação Nacional dos Sindicatos Estaduais dos Servidores dos Detrans (FETRAN).
Sindicato apoia os aprovados em concurso
O Sindicato dos Agentes de Fiscalização de Trânsito e Transporte do Rio Grande do Sul (SINDATRAN-RS) apoia os aprovados em concurso e busca dialogar com as duas prefeituras, para convocação dos aprovados.
“As prefeituras realizaram concurso a fim de contar com agentes de trânsito no ordenamento e segurança viária em seus municípios, infelizmente não deram o devido prosseguimento para a nomeação daqueles que tanto se preparam a fim de prestar o serviço essencial nos municípios”, resume o presidente do SINDATRAN-RS, Leandro Machado. Hoje, segundo Machado, as administrações usam como justificativa a interpretação de lei federal que supostamente impediria a posse dos aprovados. “Ocorre que em várias outras cidades ocorreu à nomeação e posse de agentes e outros cargos, através de uma interpretação diferenciada e não contestada. O prejuízo atual vai muito além dos aprovados e suas famílias nos concursos, ela atinge a sociedade que não se encontra segura no seu trânsito e a mercê de um entendimento duvidoso e que favorece a outros tipos de interesses”, completa o presidente do SINDATRAN-RS.
Tanto Torres quanto Rosário do Sul possuem situações peculiares quanto ao trânsito em suas vias, de acordo com Machado. A primeira possui uma população fixa de 40 mil habitantes, chegando a 200 mil em períodos de férias, o que por si só torna a mobilidade um grande desafio – ainda mais sem o contingente de servidores específicos para área, como pontua o dirigente do sindicato. Já Rosário do Sul é uma cidade fronteiriça com grande fluxo de veículos com a Argentina e Uruguai. “A cidade é utilizada como trajeto para descaminho, contrabando, abigeato, rota de veículos clonados e roubados, sendo o agente de trânsito primordial no trabalho em conjunto com as demais forças de segurança pública que, assim, poderão se concentrar nas tarefas específicas da segurança e identificação de crimes.”
O SINDATRAN RS, junto com o escritório jurídico, está empenhado na busca do reconhecimento do direito dos agentes de trânsito aprovados nos concursos de Torres e Rosário do Sul e irá intensificar suas ações para que possam trazer a tranquilidade aos aprovados, suas famílias e as vias de ambos os municípios.